Para que um ano novo?

Sim, por que precisaria de ano 0 km se o que estava usando fora tão pouco rodado?

Já sei, tem essa coisa de renovar, de olhar para frente, de se desfazer das velharias. Mas, eu aproveitei insuficientemente o 2010. Passou rápido de mais. Parece que foi ontem e não há doze meses que vi as luzes coloridas desenhando mágicas no céu. Parece que foi ontem que te dei esse beijo molhado de champagne. Você ria olhando a minha camisa manchada de lentilhas. Parece ontem…

 

 

Joguei fora tantos dias, rodei desatento por semanas e os meses se passaram sem perceber que 2010 era a oportunidade de ser feliz; todo o mundo falava em dezembro de 2009: Feliz Ano Novo! Feliz Ano Novo! E eu não compreendia que as pessoas na minha volta me pediam para ser feliz, para aproveitar um ano inteiro de fortuna e de satisfações. Tinha estreado um janeiro cheio de olhos para contemplar e não me lembro de ter visto as flores de teu jardim, pior do que isso, não me lembro daquelas estampadas no teu vestido. Quantos desperdícios de sensações; dizem que as orelhas nunca param de crescer na vida, então porque essa surdez incorpórea, indiferente quando piava o pica-pau, seria por causa das buzinas dos carros? Do som alto do iPhone 4?

Perdi um tempão olhando para os nadas expostos nas vitrines. Dei ouvidos às coisas que não valiam a pena ser ouvidas, apenas por prestar atenção ao que não devia merecer consideração. Assim foi que deixei de gozar das chuvas por medo dos resfriados e me privei de caminhar contigo, meu braço rodeando tua cintura, teu olhar estremecendo as petúnias. Fiquei por aí, andando incomodado em cima das folhas secas, arrancando mato, sem entender que o bom jardim tem dessas coisas e que o que conta não é florada passageira, tão efêmera como as nuvens que vão embora deixando o céu estrelado.

Por tudo isto, vou tentar agora sentir a intensidade de todo o que existe; imitar minhas quaresmeiras que aproveitam o vento e se sacodem, livrando-se de poeiras. Fazer com 2011 algo assim como Claude Monet fazia com seu jardim, em Giverny, a mais bela obra de arte.

Autor: Raul Cânovas

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