Era Ana-uá uma índia kaiwá-guarani que vivia feliz na cordilheira do Amambai
Junto aos seus desfrutava desse vale entre montanhas, que seus antepassados chamaram de “Terra sem Mal”. Era uma vida tranquila que seguia a rotina das tradições ancestrais, preservando costumes essenciais na vida da tribo. Em quanto os homens caçavam, Ana-uá cuidava de uma roça que proporcionava o alimento para todos. Junto a outras mulheres plantava milho, mandioca, favas e algodão, além de tomar cuidado para não atrapalhar a florada dos camalotes, entre março e novembro, quando ia tomar banho de cachoeira. Esses aguapés garantiam o sustento das abelhas que produziam mel sem parar. Nos outros meses elas procuravam o néctar da erva-de-bicho e do caraguatá, para abastecer a colmeia e completar o abastecimento desse nutritivo alimento. A mãe, e quem sabe sua avó, tinham plantado, seguindo o costume mbyá, sementes de pitangas, cajá, mangabas, araçás e, também, guabijus, guabirobas e araticuns, garantindo frutas o ano todo.
Acuarela de Camillo Carrizo
Nada lhe faltava e sua aura, imaterial porem vigilante, a protegia de maldades e de qualquer entidade sobrenatural, até de Abaçaí, que era um gênio perseguidor que enlouquecia os índios desprevenidos ou imprudentes. Às vezes sentia medo do “diabo maior”, de Gualicho, que, segundo seus temores, rondava o cemitério onde seus ancestrais descansavam, dentro de urnas de barro sob pilhas de pedras que formavam pirâmides. Por isso raramente ia lá; evitava frequentar esse lugar, mesmo quando os rituais aconselhavam isto.
Suas rezas e rituais se elevavam em direção de Rudá, o deus do amor. Segundo os donos das palavras da tribo, os poetas que narravam as histórias fantásticas dos mundos invisíveis, Rudá contemplava as moças desde as nuvens e escolhia algumas despertando os amores dormidos, conduzindo-as até os jovens caçadores. Ela sonhava em ser escolhida e poder amar e brincar com muitas filhas e muitos filhos e ser amada por Aguara, o filho mais velho do cacique Telomian, descendente direto do cacique e herói Telomian Condic que lutara contra os primeiros brancos invasores, muitos, muitos anos atrás. Certo dia Ana-uá tomou uma decisão, iria cativar o homem que amava em silêncio, seduzindo-o com seus encantos puros e sinceros. Foi na cachoeira e depois de tomar banho perfumo-se com água de baunilha, enfeitou seus cabelos com flores de abóbora e amarrou nas canelas uma porção de pulseiras feitas com frutos de vinagreira. Pronto! Devia ser notada pelo primogênito do chefe indígena. Depois de Amanaiara, a senhora da chuva, derramar muita água, empapando o solo do lugar, o sol apareceu iluminando Ana-uá de tal maneira, que as flores que adornavam sua cabeça se multiplicaram cobrindo seu corpo por completo. Rudá entendia que se ela fora batizada com esse nome, que significava pau de flor, devia produzir um milagre em forma de pétalas, um assombro que maravilhasse o jovem Aguara.
E assim foi que, com a ajuda do deus do amor, Ana-uá e Aguara, em uma cerimônia repleta de flores de urupês e regada a kãguy de milho, cumpriram solenemente o ritual que os uniria para sempre.
Contam, os donos das palavras do guaranis, que flores de abobora surgem todos os anos, na mesma data em que o casal selara seu amor.