O cemitério é um símbolo e não apenas um depósito de corpos. Nele estão guardados nossa história, nossos genes.
É lá que, às vezes, vamos para ter um contato mais próximo, com aqueles que mostraram caminhos e dos quais gostaríamos que ainda nos dessem algum sinal. Procuramos, nesse verde vazio, o tremular das folhas de alguma árvore e, até quem sabe, o voo cadencioso do pássaro mensageiro, que nos ofereça a resposta esperada.
Esse espaço misterioso funciona como ponte, que une o tangível com o desconhecido. É lá onde nosso olhar parte da lápide e viaja, com os olhos, pelo tronco ascendente de um cipreste que nos conduz até uma nuvem, onde acreditamos encontrar o pálido rosto que alimenta nossa saudade.
No meio do silêncio, nos esforçamos para ouvir qualquer coisa que a brisa nos traga, por momentos é um som seco proveniente de um bambuzal, em outros, sutilmente, somos capazes de perceber o ruidinho que uma joaninha faz, quando escala o caule de uma palma.
Cada instante é aproveitado para decodificar símbolos, para entender a possível mensagem que nos espera, cifrada no jardim. Por isso a paisagem merece ser rica e não lúgubre, deve estar carregada de esperanças e não de tristezas. A melancolia nunca promete, apenas ancora a nossa vontade de sermos felizes.
Supomos, nestes dias, ir ao cemitério para reverenciar nossos mortos. Na realidade vamos com a intenção de manter aceso nosso vínculo. Estamos aí para avivar uma luz que recusamos ver extinta porque, de algum modo, estamos sujeitos a ela.
Somos absolutamente dependentes da memória que, reminiscentemente, nos mantêm ligados a aqueles que não estão, que deixaram de existir, mas, misticamente, estão aí guardados como enigmas, no meio de um jardim com flores.
Autor: Raul Cânovas