Festa no Jardim

Fiquei sabendo que hoje teremos uma festa no jardim. As plantas mais exuberantes, as flores mais viçosas e as composições mais inspiradas são as convidadas deste banquete bucólico, regado com os orvalhos das melhores safras. Neste meio tempo, fui alertado por uma comissão de beija-flores, que neste mesmo jardim, seria celebrada uma outra comemoração, homenageando uma árvore muito querida. O líder da revoada que, aliás, era o mais colorido de todos me sussurrou, minuciosamente, os preparativos comandados por um azulão e uma coruja, que se revezavam dia após dia e noite após noite para aprontar esse que seria o maior de todos os festejos.

O pássaro azul alertava para que todas as flores se unissem em braçadas coloridas e instruía centenas de borboletas para que, juntas, formassem uma boana de reflexos luminosos, também tentava convencer uma araponga a martelar apenas no início do evento e silenciar em seguida, para não atrapalhar; já no início da noite entrava em ação a coruja, que chirriava sem parar, esclarecendo a fauna noturna qual seria a missão de cada bicho, para que a árvore anosa e amada por todos, arrepiasse de emoção cada folha de sua enorme copa; preparava um coro de sapos que deveriam coaxar afinadamente, no meio de um cordão de formigas atentas, enquanto uma miríade de cigarras estrilavam num arvoredo um pouco mais distante, os grilos deveriam entrar, no momento certo, cricrilando um alegro sustenido, para animar o concerto.

Por fim, chegou o grande momento que, solenemente, foi anunciado com a fala de um papagaio loquaz e muito sábio. Teve muita alegria com as seriemas gargalhando sem parar, os bem-te-vis assobiando suas melhores melodias e até um elenco de araras, taramelando versos inspirados.

Mas o momento mais emocionante, mais comovente, foi quando a velha árvore falou, e ela disse assim: “Quando chegar ao final de minha vida, e deixar de ser uma árvore, quero ser transformada em uma arca, uma enorme arca e aí, já incompleta, sem os musgos que agora me abraçam, guardar algumas das coisas mais belas deste mundo, antes que se percam no esquecimento ou, se deteriorem para sempre. Vou querer conservar as esperanças de Jesus, a humildade do Buda, a felicidade de Maomé e a responsabilidade que Moisés assumiu perante seu povo. Igualmente, vou defender do olvido aquela teimosa e valente flor que, fora da estação, surge no meio da escarcha e, também, o galho que se agarra ao último raio de sol.”
Nesse momento, os vaga-lumes se esforçavam para iluminar o cenário. E a árvore continuou: “Quando for uma arca, vou preservar o bem supremo de todo jardim… a harmonia”. Dito isso, de maneira reverente, inclinou sua fronde que cintilava graças a uma constelação de estrelas.
Um bando de macaquinhos, fantasiados de ciganos, aplaudiam sem parar.

 

Por Raul Cânovas
 

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